Um trabalho de mestrado realizado pela nutricionista e pós-doutoranda Juliana de Lima no Departamento de Bioquímica e Imunologia do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, publicado neste ano no Brazilian Journal of Microbiology, mostrou que a administração da bactéria potencialmente probiótica Lactococcus lactis NCDO2118 – exclusiva da UFMG – melhorou parâmetros clínicos como diarreia, perda de peso e sangue nas fezes na fase ativa da colite crônica induzida em modelo experimental. Esses efeitos anti-inflamatórios foram verificados pela redução de citocinas pró-inflamatórias como TNF-α no intestino de camundongos doentes, redução da permeabilidade intestinal e parâmetros histológicos intestinais.
O trabalho de doutorado da aluna deu continuidade à pesquisa, desta vez avaliando os componentes do L. lactis envolvidos no efeito adjuvante da administração da cepa associada à ovalbumina (OVA) – uma proteína bastante alergênica presente na clara do ovo – na indução de tolerância oral em camundongos C57BL/6. O efeito adjuvante da L. lactis NCDO2118 na inibição de doenças inflamatórias tem sido estudado em alguns modelos pelo grupo de pesquisa da professora Ana Maria Caetano de Faria e por colaboradores, como encefalomielite autoimune experimental, artrite, colite e na inflamação induzida pela infecção por Leishmania.
O estudo com a colite dá continuidade a um trabalho desenvolvido há muitos anos em colaboração com os professores Vasco Azevedo e Anderson Miyoshi, do Departamento de Genética da UFMG. O grupo já realizou vários trabalhos tanto com a cepa selvagem quanto com a recombinante, que secreta a proteína Hsp65 e é uma heat shock protein, um grupo de proteínas induzidas por choque térmico. “Notamos que a cepa selvagem tem uma propriedade anti-inflamatória bem importante e a cepa recombinante expressando Hsp65 pode prevenir doenças autoimunes, como esclerose múltipla experimental em camundongo e artrite reumatoide. Neste estudo com colite, a propriedade dessa cepa foi comparada com outras cepas de Lactococcus e também mostrou ter um perfil anti-inflamatório significativo”, afirma a professora da UFMG.
No atual trabalho, os pesquisadores também notaram que a cepa poderia ser um adjuvante da indução de tolerância oral – mecanismo pelo qual o sistema imune desenvolve tolerância ao invés de reagir de forma inflamatória quando entra em contato com antígenos da dieta oral. O desenvolvimento da tolerância oral está diretamente relacionado com o sistema imune intestinal, uma vez que todo o mecanismo ocorre no intestino e nos tecidos linfoides associados ao intestino (GALT). “Meu trabalho utilizou a bactéria em modelo de tolerância oral a ovalbumina. Ao administrar L. lactis NCDO2118 via oral em camundongos, verificamos a redução de imunoglobulinas anti-OVA no sangue e aumento na frequência de células imunes anti-inflamatórias no intestino, como os linfócitos T reguladores e as células dendríticas tolerogênicas”, descreve a pós-doutoranda Juliana de Lima, autora do estudo.
Com esse resultado, os pesquisadores sugerem que o desenvolvimento da tolerância oral é dependente da microbiota e, por isso, probióticos e posbióticos são promissores para modulação imune. Segundo a pós-doutoranda, a quebra da tolerância oral gera enfermidades como doenças inflamatórias intestinais e alergias alimentares. “É importante que todo indivíduo apresente um mecanismo de tolerância oral bem estabelecido, para que não desenvolva tais doenças. Por isso esse trabalho é bastante relevante. Futuramente, a clínica vai se beneficiar com o uso de probióticos potencializando a tolerância oral, mas ainda são necessários ensaios clínicos e mais estudos que avaliem a dose e a forma de ingestão”, argumenta a professora Ana Maria Caetano de Faria.
O L. lactis NCDO2118 é uma bactéria homolática – 100% do seu produto de fermentação é ácido lático. Como a proteína GPR81 é um dos mais importantes receptores do ácido lático, está presente em células imunes como macrófagos e células dendríticas, e sua ausência está relacionada com inflamação intestinal. “Verificamos expressão aumentada de GPR81 em animais tolerantes que receberam a bactéria. Isso nos fez avaliar se o mesmo efeito seria observado com a administração do lactato, que é considerado um posbiótico, já que é um produto da bactéria e tem propriedades anti-inflamatórias”, ressalta a pós-doutoranda.
Além disso, foi observada a modulação da microbiota intestinal através do aumento na concentração de Akkermansia, bactéria que está relacionada à ausência de doenças. “Estamos buscando tratamentos complementares. Ninguém está afirmando que vai curar a colite, uma doença imunomediada e de predisposição genética. Também não estamos preconizando que pacientes parem de tomar os medicamentos. Mas, como o probiótico tem essa capacidade anti-inflamatória, pode ser uma ferramenta complementar no tratamento clínico”, enfatiza a professora Ana Maria Caetano de Faria.